O aborto

Anualmente ocorrem mais de 210 milhões de casos de gravidez. Destes, cerca de 46 milhões (22%) terminam com um aborto induzido e, de um modo geral, a grande maioria das mulheres com 45 anos, já tem pelo menos um antecedente, de interrupção voluntária da gravidez (Alan Guttmacher Institute, 1999). Quando há métodos anticoncepcionais eficazes disponíveis, e quando estes são largamente utilizados, o número total de abortos diminui drasticamente (Bongaarts e Westoff, 2000), mas o número zero de abortos nunca é atingido por diversas razões.

Em primeiro lugar, milhões de mulheres e homens ou não têm acesso aos métodos de contracepção adequados, ou não têm a informação e o apoio necessários para os utilizar de forma eficaz. Em segundo lugar, não existe nenhum método contraceptivo cem por cento eficaz. A tabela abaixo (dados 1993) mostra as estimativas calculadas segundo a “utilização perfeita” para cada método, considerando que o utilizador segue à risca as instruções de utilização e as estimativas segundo “o uso normal”, o qual considera o facto de a utilização dos métodos contraceptivos nem sempre ser a mais adequada. Em terceiro lugar, os elevados índices de violência contra as mulheres, quer de origem doméstica quer em cenários de guerra, conduzem inevitavelmente à gravidez indesejada. Em quarto lugar, circunstâncias várias, como divórcios e outras crises, podem levar a que uma gravidez inicialmente planeada se torne indesejada.

Eficácia dos Contraceptivos

Aborto não assistido

Mesmo que todos os utilizadores de métodos contraceptivos os utilizassem sempre de forma perfeita, existiriam cerca de seis milhões de gravidezes acidentais todos os anos. Deste modo, mesmo com elevados índices de utilização de contraceptivos, podem ocorrer gravidezes indesejadas, que as mulheres podem tentar terminar através do aborto.

Um aborto não assistido é “um procedimento para interromper uma gravidez indesejada efectuado por pessoas sem as qualificações necessárias e/ou em ambiente sem as mínimas normas médicas adequadas” (Organização Mundial de Saúde, 2003). Estima-se que cerca de 20 milhões de abortos não assistidos são realizados todos os anos. Noventa e cinco por cento ocorrem nos países em desenvolvimento (Organização Mundial de Saúde, 1998). De um modo geral, existe uma taxa de um aborto não assistido por cada sete nascimentos (Organização Mundial de Saúde, 1998), mas em algumas regiões este número aumenta consideravelmente. Por exemplo, na América Latina e nas Caraíbas, a taxa é de mais de um aborto não assistido por cada três nascimentos (Organização Mundial de Saúde, 1998). Cerca de 13% das mortes relacionadas com a gravidez são atribuídas a complicações decorrentes de abortos não assistidos (Organização Mundial de Saúde, 1998); quando aplicada às mais recentes estimativas de mortalidade materna ao nível mundial (i.e. 515 000 para o ano de 1995; Organização Mundial de Saúde, 2001), esta percentagem corresponde a cerca de 67 000 mortes por ano. Para além disso, o aborto assistido encontra-se associado a uma considerável mortalidade. Por exemplo, os estudos indicam que pelo menos uma em cada cinco mulheres, que recorreram ao aborto não assistido, sofreram posteriormente uma infecção do tracto reprodutivo. Algumas destas infecções revelam-se muito complicadas e conduzem à infertilidade (Organização Mundial de Saúde, 1998).

Sempre que o acesso aos serviços médicos para um aborto é restringido por lei, ou sempre que a lei permite o aborto mas os serviços são insuficientes ou de fraca qualidade, as mulheres com capacidade financeira conseguem adquirir serviços médicos competentes no sector privado. No entanto, muitas outras mulheres com gravidezes indesejadas sofrem um risco considerável ao recorrer ao aborto não assistido. São mulheres pobres, que vivem em regiões isoladas, ou que se encontram em situações vulneráveis (refugiadas ou mulheres deslocadas de suas casas), ou são adolescentes, em particular solteiras. Estas mulheres têm menos acesso à informação e aos serviços de saúde reprodutiva, são frequentemente muito vulneráveis à coerção e à violência sexuais, e podem adiar a decisão de fazer um aborto, tornando-se assim muito mais passíveis de recorrer a práticas de aborto não assistido e a pessoal não qualificado (Bott, 2001; Gardner e Blackburn, 1996; Mundigo e Indriso 1999).

Aborto assistido

Quase todas as mortes e complicações decorrentes de um aborto não assistido são evitáveis. Os procedimentos e as técnicas para uma indução atempada de um aborto são simples e seguros. Quando praticados por pessoal médico qualificado, com equipamento apropriado, e em condições sanitárias adequadas, o aborto é uma das intervenções médicas mais seguras.

Em países onde as mulheres têm acesso a serviços seguros, a probabilidade de morrerem, em consequência de um aborto realizado através dos métodos modernos, não é maior que um para 100 000 (Alan Guttmacher Institute, 1999). Nos países em desenvolvimento, o risco de morte devido a complicações decorrentes de um aborto não assistido é várias centenas de vezes maior do que o risco de um aborto realizado por profissionais em condições seguras (Organização Mundial de Saúde, 1998). A disponibilização de serviços adequados para a execução atempada de abortos poupa muitas vidas de mulheres e evita os custos substanciais do tratamento de complicações evitáveis decorrentes de abortos não assistidos (Fortney, 1981; Tshibangu et al., 1984; Figa-Talamanca et al., 1986; Mpangile et al., 1999).

Fonte: Safe Abortion: Technical and Policy Guidance for Health Systems - Organização Mundial de Saúde