Eu abortei

Aqui pode encontrar testemunhos de mulheres que abortaram, por forma a que possa compreender as razões que as levaram a fazê-lo e o que sentiram.

Alguns dos testemunhos usam nomes fictícios, por forma a manter a privacidade destas mulheres.

Se desejar enviar-nos o seu testemunho, como alguém que realizou um aborto ou alguém que acompanhou outra pessoa neste processo, teremos todo o gosto em publicá-lo. Para o efeito utilize o nosso formulário de contacto.

Ana Sofia

Tive de fazer um aborto, há cerca de 2 anos atrás, numa clínica em Badajoz (Espanha), devido a uma gravidez indesejada e arriscada. O feto teria umas 9 semanas e só soube cerca de uma semana antes. Tinha a menstruação irregular e não me apercebi. Tinha 29 anos, estava desempregada, passava um período psicologicamente instável, estava a tomar medicação que não seria permitida a uma mulher grávida (devido aos efeitos secundários) e tinha uma relação muito recente (que estava a correr mal) com um rapaz da minha idade que ficou completamente irritado quando soube (sem nenhuma intenção de ter um filho). Fiquei grávida, apesar de termos usado preservativo (que rompeu) e de ter tomado a pílula do dia seguinte, foi realmente muito inesperado, dadas as circunstâncias. No momento em que soube fiquei muito assustada, pois não podia sequer pensar que poderia nascer uma criança saudável, dado estar a ser medicada e não ter qualquer estabilidade emocional e financeira. No entanto, pensei na possibilidade, mas achei que uma criança deve ter algo mais à sua espera no mundo, que um ponto de interrogação e a possibilidade de nascer com deficiências. Para mim é algo que quero esquecer que aconteceu.

Teresa Cardoso

Dei por mim a sentir-me esquisita.... no fundo sabia, no fundo não queria saber! Passei uma semana na dúvida mas na certeza de não querer, na certeza que seria de momento a pior coisa que me podia acontecer sendo a melhor coisa que alguma vez quis para mim. Apenas sabia que não era o momento. Estava a acabar de sair de uma relação em que era agredida intensamente fisicamente e psicologicamente, a acabar o curso. Sem qualquer condição psicológica para me estruturar e sem motivação para viver quanto mais ter um filho totalmente inesperado e que iria ligar-me para sempre a quem me maltratou duramente, alguém que por motivos que ninguém consegue explicar eu gostava e iria certamente fazer-me infeliz para o resto da minha vida pela destruição que andava a causar em mim! Chamem-me fraca, chamem o que quiserem mas que condições tinha eu para criar assim um filho de forma saudável e feliz? Estava decidido. Não poderia ir em frente com a gravidez. Por muito que custe foi a decisão mais sensata dessa relação.

Egoísmo? Há quem veja assim. Talvez tenha sido esse o momento em que decidi pensar em mim. Mas não terá sido este o momento em que decidi pensar na vida? Contra-senso? Não. Quem passa por uma situação assim sabe que não é contra-senso... apenas uma escolha do que é melhor para nós e essa implica certamente o que é melhor para quem queiramos trazer ao mundo! Uma escolha que não é fácil... Magoa bastante! Mas não será precisamente por causa disso que devíamos ajudar quem mais precisa de apoio? Tudo dentro de limites como é claro! Dentro de datas, dentro de um leque mais abrangente de motivos. Não se fala em banalizar a vida...fala-se em desenvolver apoios psicológicos e físicos imparciais à partida mas disponíveis para a ajuda em todas as escolhas.

Eu tive sorte, tudo correu bem mas o local, a forma, a frieza marca de uma forma... faz com que o acto seja mais marcante fisicamente do que psicologicamente. Não é o que ninguém pretende. Pelo contrario, é necessário manter acesa a componente psicológica e não será também importante esta causa para isso mesmo?

Hoje claro que custa pensar nisso. Mas quando penso na forma que estaria a minha vida....não me arrependo. Não seria apenas uma pessoa infeliz, seriam duas certamente! E agora sim, passou um tempo, estou com capacidade, estrutura, força e felicidade para fazer feliz aqueles que estejam e irão estar à minha volta!

Maria João

Recuar mais de uma década e tentar perceber o que me levou a abortar não é muito fácil. Quase sou tentada a dizer que uma mulher percebe quando não se sente apta a levar avante uma gravidez. Vivia sozinha com a minha filha mais velha, não tinha uma relação estável, não iria criar laços com o pai da criança só porque ela existia. Naquele momento da minha vida assumir aquela gravidez não fazia qualquer sentido. Sabia, por experiência anterior, quão doloroso poderia ser para um pai viver longe de um filho e esse factor pesou, claramente, na minha decisão. Depois de uns dias, angustiada, a tentar definir claramente qual seria a decisão, avancei, sem qualquer dúvida, para a interrupção da gravidez. Felizmente, e ao contrário de muita gente, tinha acesso fácil a quem me fizesse essa interrupção, não fui, por isso, confrontada com a autêntica provação da maioria das mulheres, que penam terrivelmente em busca de informação sobre um local onde se dirigirem, e sem fazerem a menor ideia do tipo de apoio que vão encontrar. Recorri a uma parteira muito cuidadosa, profissional, com todas as condições necessárias para fazer uma interrupção medicamente segura... mas na clandestinidade, claro. E esse fardo é tremendamente pesado. Por muito que nos tentem fazer passar a mensagem de que ninguém em Portugal vai a tribunal por causa de um aborto (o que é falso, casos recentes isso demonstram) sente-se um enorme frio na barriga. Sabemos que a qualquer momento nos pode aparecer a polícia à frente. Se me perguntarem se tenho memórias negras desse dia muito objectivamente terei que responder que não. Tinha uma decisão assumidíssima, estava rodeada da minha família, em mãos de profissionais competentes, o procedimento médico não foi doloroso (fiz a interrupção com anestesia geral), saí de lá medicada e segura de que se houvesse uma qualquer complicação teria apoio... as memórias negras que existem têm, tão somente, a ver com a revolta que sentia por não me reconhecerem o direito de fazer aquilo que tinha acabado de fazer sem aquele "ferro" de crime, por ter passado a ser, de acordo com a lei do meu país, uma criminosa.

E lembro-me bem de pensar que, apesar de tudo, era uma sortuda... tomar uma decisão e poder avançar para ela sem o périplo da "amiga da amiga que conhece uma senhora que faz abortos", sem ter que me preocupar em saber onde arranjar dinheiro para a fazer, tendo a certeza absoluta que se ia para um local que oferecia segurança do ponto de vista médico-sanitário é, neste mar esconso do aborto clandestino, uma sorte brutal.

Ana Pires

Sou uma grande fumadora, tenho aquilo a que a se chama um fenómeno de Raynaud (alteração vascular) e sempre utilizei contraceptivos orais. Lá para meados dos trinta, já depois de ter sido mãe, achei por bem colocar um dispositivo intra-uterino (talvez seja importante dizer que sou médica e que, por isso, tenho obrigação de saber que as possíveis complicações da toma de contraceptivos orais numa fumadora, nomeadamente os riscos de patologia vascular, aumentam depois dos 30). Assim fiz, parei a pílula com a determinação de colocar o tal do DIU quando voltasse a menstruar. No entretanto... engravidei.

Depois de avaliar RESPONSAVELMENTE a altura da vida em que me encontrava achei que não devia prosseguir com aquela gravidez. Não foi como decidir se ia ao cabeleireiro cortar, ou não, o cabelo, garanto-vos! Em todo o caso decidi, e fiz, um aborto.

Felizmente para mim não precisei preocupar-me com os problemas logísticos inerentes ao facto de viver num país onde o aborto é criminalizado. A aspiração foi feita nas melhores das condições médicas (técnicas e humanas), com anestesia geral... mas clandestina e ilegalmente.

Como fiquei depois da IVG? Aliviada e de saúde (no dia seguinte fui fazer a urgência para que estava escalada). Se alguma vez me arrenpedi da decisão? Não, de todo. Mas eu sou uma mulher de sorte que, em termos estatísticos, pertence a uma minoria.

O meu testemunho não é a "apresentação de um troféu de guerra", mas também não é um pedido de desculpas. Deixo-o aqui porque defendo que todas as mulheres deste país têm direito ao mesmo tipo de contexto "decisional" e clínico que eu tive (e terei se voltar a passar por uma situação destas). Deixo-o aqui porque defendo a despenalização (para ser verdadeira... a liberalização) do aborto nos prazos medicamente defensáveis. Deixo-o aqui, também, porque tenho obrigações profissionais.

Helena Oliveira

Fiz um aborto há 19 anos. Eu era jovem, tinha 19 anos e já tinha um filho com oito meses. Não estava a tomar nada. Foi um pouco de descuido da minha parte. Mas, enfim, todos nós falhamos. Costuma dizer-se que errar é humano. A minha família não soube, porque os meus pais são católicos, a minha madrinha ainda era viva e também era católica. Eu já tinha ficado grávida em solteira e casei porque estava grávida. Na altura, respeitei a opinião da minha família, mas daquela vez não podia ser. Eu queria acabar o curso, tinha projectos de vida e, com um filho de 8 meses, eu não queria ser mãe de novo.

Alguém me disse que havia uma clínica em Almada onde se faziam abortos. Era uma clínica com um aspecto normal, mas faziam abortos de forma clandestina. Eu cheguei lá e nem sabia como havia de falar, mas já deviam estar habituadas a que aparecessem jovens como eu e a enfermeira percebeu logo o que eu ia fazer. Pôs-me à vontade, disse-me quanto era. Na altura foi 15 contos, o que era muito para a época. Marcou-me o dia e eu lá fui. Estive sempre consciente, fez-me alguma confusão e doeu-me um bocado, mas nada que não se pudesse aguentar. Correu bem, deu-me uns comprimidos para eu tomar. Apesar de eu não ter tido complicações, a situação não deixou de me intimidar, pela clandestinidade do acto em si.

Ao fim de quase 20 anos, continuamos na mesma. Nem entendo como é possível que esta situação persista. Não faz sentido, em especial quando as pessoas dizem que as mulheres não devem ser presas. Então se não devem ser presas, o aborto não deve ser considerado crime(...).

in TAVARES, Manuela, Aborto e Contracepção em Portugal, Lx, Livros Horizonte, 2002, p.80

Margarida Oliveira

(...) Por que é que me obrigam a ser mãe, se eu não quero? Falam-nos do direito a outra vida. Mas, antes disso, somos nós mulheres que devemos decidir se damos ou não uma vida ao mundo. O início da vida é o desejo a dois. Porque um filho não exige só condições materiais, mas afectos. Precisa ser desejado, mesmo muito desejado. O meu filho foi desejado. Mas houve uma altura da minha vida em que eu fiz um aborto, porque não tinha condições emocionais para ter outro filho. O meu pai tinha falecido, eu tinha tido o nascimento do meu filho. Passados alguns meses, foi outro ente querido que faleceu e, entretanto, fiquei grávida. Eu não estava em condições para ser de novo mãe.

A minha primeira gravidez tinha sido complicada, devido à doença prolongada do meu pai. Eu não estava em condições físicas e psicológicas para ter outra criança. Por isso abortei e hoje voltaria a fazê-lo, mantendo-se o quadro de fragilidade emocional em que me encontrava.

Na altura do julgamento da Maia, eu imaginei-me naquela situação. (...) Se eu estivesse lá, sentia que aquela acusação era uma afronta à minha liberdade. É como se me estivessem a minar por dentro, a entrar dentro da minha intimidade. Eu sou um ser humano e estavam a introduzir em mim algo que não tinham o direito de fazer. Como ser humano, tenho o direito a decidir sobre estas questões e é intolerável que tenhamos que ser julgadas por uma decisão que é nossa.

in TAVARES, Manuela, Aborto e Contracepção em Portugal, Lx, Livros Horizonte, 2002, p.97

Ana Maria

Eu fiz um aborto numa clínica em Badajoz.

Não o fiz de “ânimo leve” apesar de pensar, e saber, que há mulheres que o fazem. Não era considerada uma gravidez de risco nem me encontrava em nenhuma das situações previstas no código penal quer português, quer espanhol (cujo texto é exactamente o mesmo).

Em Portugal, é impensável ter um filho e dá-lo para adopção... Não há opção. Não há acolhimento para a criança, e o sistema leva anos até que uma família possa adoptar...

Já fui mãe, e talvez por isso me tenha custado mais, e talvez por isso tenha tanta dificuldade em ultrapassar. Não quero com isso dizer que custe menos a alguém que nunca foi mãe, mas custa de maneira diferente. Porque sabemos o que é ter um ser dentro de nós, durante 9 meses.

Apesar de tudo, fi-lo de uma forma plenamente consciente. Não tenho orgulho nenhum, mas não me arrependo do que fiz. Apenas gostaria que a minha vida tivesse outras condições para não o ter feito. Nunca poderia ter outro filho e por em causa a subsistência da filha que já tenho. Não imagina a dor que é tomar uma decisão dessas. E não imagina também a aflição que é saber que em Portugal se pode ir presa por fazer um aborto. E na maioria das vezes em más condições. Já basta a dor de tomar a decisão, e de fazer um aborto. Ser perseguida não ajuda...

Tive possibilidades de ir a Espanha sem sequer tentar encontrar em Portugal quem fizesse o “serviço”, como alguns lhe chamam… Mas há em Portugal quem o faça clandestinamente, como é óbvio. Até mesmo em hospitais públicos...

Em Badajoz, numa das tais clínicas que aparecem nos anúncios de jornal, existem condições para o fazer. Não, não perguntam sequer qual é a razão pela qual decidimos fazer um aborto. Sim, existe uma entrevista com um psicólogo. Pergunta “Como estás?” e explica-nos o que se vai passar de seguida e porque é que temos de preencher tanta papelada. Existe uma espécie de linha de montagem. Ou neste caso de “desmontagem”... Fazem uma ecografia, e análises. Com uma rapidez alucinante, passamos por uma série de gabinetes até chegar a uma sala, tipo sala de operações onde será feita a intervenção. Colocam soro, e dão uma espécie de calmante super-forte. No meu caso, foi feito por aspiração. Passado cerca de 20 minutos, acorda-se já num quarto. Trazem a roupa que despimos ao entrar e dizem para aguardar numa sala de espera.

Na sala de espera podem estar apenas quatro mulheres de cada vez. Quando eu lá entrei estavam duas portuguesas e uma espanhola. (Devo também dizer que o pessoal da clínica estava pasmado com a quantidade de portuguesas que lá foi naquele dia... Que eu tenha reparado, só vi duas espanholas, no meio de duas dezenas de mulheres...) Lembro-me particularmente de uma miúda, com uns 17 anos… Estava sentada à minha frente. Ela conseguiu soltar uma gargalhada, por já não sentir as calças a apertar a barriga... Estas foram as palavras dela... Olhei para a senhora que estava sentada ao meu lado. Tal como eu, já tinha um filho, e não tinha possibilidades de ter outro. Agora não… A única coisa que conseguimos dizer além disso foi: “Já passou…” Uma espécie de frase de consolo, que não consola nada. Apenas “já passou” o perigo de correr tudo mal… Qualquer mulher que tenha uma mínima fé em Deus ou uma educação católica tem medo de ser castigada por ter cometido um acto destes... Por Deus ou pelo Destino... E qualquer mãe tem um pavor imenso de que lhe aconteça alguma coisa enquanto os seus filhos não estiverem “criados”...

Dez minutos depois, a mesma senhora que me recebeu chamou-me. Eu e o meu companheiro, que estava até então a aguardar na sala de espera, fomos até um gabinete, onde me explicaram o que se ia passar com o meu corpo nos dias seguintes. O que deveria fazer e como deveria tomar os medicamentos que me estavam a dar. Um antibiótico para prevenir complicações, um analgésico para as dores e umas gotas para ajudar o útero a contrair. Deram-me também uma declaração, para apresentar ao médico quando fizer a consulta para ver se está tudo bem... A declaração diz que a interrupção voluntária da gravidez foi feita ao abrigo do decreto lei 9/85 do artigo 417. É o tal que diz o mesmo que a lei portuguesa diz. Estou agora a ver se encontro alguém que conheça um médico que não me faça sentir ainda pior quando for consultada.

Existe muita hipocrisia em Portugal... A maioria das mulheres já fez um aborto... E mesmo assim, as pessoas julgam-nas... Não são só os tribunais que as julgam… Toda a gente sabe que se fazem abortos. Que sempre se fizeram abortos. Não é por existir uma lei que o proíbe que as mulheres vão deixar de o fazer. Nunca vai deixar de acontecer. Vai ser feito em casa, ou numa parteira reformada, sem quaisquer condições, ou num hospital público, pagando centenas de contos, e correndo risco de vida. Acredita que em Portugal nem sequer um “fórum” na internet existe, onde se possam partilhar experiências deste género? É completamente ignorado, e no entanto toda a gente sabe que se fazem abortos... Mesmo com o tal papel da clínica, que diz que fiz a IVG legalmente, tenho sinceramente receio de ir a um médico que se arme em “moralista” e que crie problemas legais… Tenho. Espero conseguir ultrapassar esse problema.

Entretanto, estou de luto, quer acredite, quer não. Sinto que morreu alguém que era um pedaço de mim, e de alguém que eu amo muito. Todos os dias tenho “flashes” na minha cabeça, de cenas que vi ou vivi naquele dia… E olho para a minha filha e, inevitavelmente questiono-me como seria, se a situação tivesse sido diferente. É algo que eu nunca vou ultrapassar. Vou apenas conseguir viver com isso… Não espero com a minha mensagem que pense de forma diferente... Só acho que precisa de outros pontos de vista, e em Portugal as mulheres ainda têm medo de falar sobre o aborto... Mas é preciso falar...

in Rabbit’s blog

Leo Moniz

Fiz um aborto há pouco tempo. Foi um aborto clandestino em Portugal.

Sinto me muito mal por estar a fazer isto. Mas sei que é o mais correcto nesta altura, pois sou muito nova e não tenho quase ninguém que me consiga apoiar nesta situação. Gostava que tudo tivesse sido diferente.

in women on web

Ana Luísa

Fiz o aborto numa clínica em Espanha.

A minha experiência foi, se assim posso dizer, positiva. Fui muito bem recebida e com profissionalismo. Foi-me administrada anestesia geral de cerca de 10 minutos, o que me evitou dor física e psicológica. Quando acordei fiquei contente por não ter dado por nada, mas a seguir doeu um pouco.

Os motivos pelos quais decidi fazer o aborto têm a ver com problemas na relação com o meu parceiro, por razões pessoais, por não desejar uma criança. Quero ter um filho sim, mas não agora. Provavelmente até da mesma pessoa, mas as condições actuais, de relação e pessoais, não são favoráveis a tudo o que eu quero para esse alguém.

É algo que guardo só para mim e para a outra pessoa. Considero o assunto resolvido, mas não me sinto propriamente feliz com isso. Julgo que toda esta experiência me fez mesmo querer um filho sim, mas daqui a algum tempo. E considero que, para isso acontecer, terão de estar reunidas muitas condições afectivas e de estabilidade, para se poder usufruir e dar tudo o que de maravilhoso isso pode significar.

in women on web

Raquel Santos

Há pouco tempo fiz um aborto com a ajuda da ‘WomenOnWeb’. Sem elas não teria sido possível porque no meu país o aborto é ilegal. Utilizei medicamentos. Foi difícil a nível emocional pois, para mim, não é fácil tirar um ser que é fruto de um grande amor e que, acima de tudo, tem algo nosso. Mas, por vezes, a vida obriga-nos a tomar certas atitudes para não afectar a felicidade dos que estão na Terra.
A minha experiência foi única e espero nunca mais vir a ter de o fazer. Apenas tomei esta atitude por causa dos meus filhos que, para além de serem muito pequenos, iriam sofrer muito.

As razões que me levaram a fazer este aborto foram mesmo os meus filhos. São muito pequenos, a mais velha tem 30 meses e o outro tem 9 meses, e ainda dependem muito de mim. Além disso, a vida não está fácil no meu país. Há muito desemprego e quem esta empregado não tem empregos seguros. Basta dizer que se é casada e com 2 filhos que as portas do mercado de trabalho fecham-se.

Sinto-me triste porque tirei um ser único e que era do meu sangue. Um filho que nunca saberei como iria ser. Adorava ter tido este filho, se a minha situação económica o permitisse.

in women on web

Luísa Calado

Eu fiz um aborto com 24 anos. Comecei a minha vida sexual aos 17, mas com receio dos meus pais, que podiam descobrir, acabei por não tomar contraceptivos. Mas tinha sempre muito cuidado. Aos 20 anos comecei a tomar a pílula. O meu namorado foi para a tropa para os Açores e eu, como não estava a pensar ter outros parceiros, parei de tomar a pílula. Quando ele regressou, eu não estava prevenida e aconteceu. No entanto eu sempre pensei que para se ter um filho, tem que se ter condições mínimas. E, na altura, eu não as tinha. Uma criança é um projecto de futuro e não algo que surja por acidente. É uma grande responsabilidade. Eu não me sentia ainda preparada. Não hesitei e fui abortar. Onde eu fui já muitas amigas tinham ido. Mas eu tive o azar das coisas me correrem mal.

Fiquei com grandes hemorragias, tive que lá voltar e fazer uma raspagem a sangue frio. Sofri muito. Os meus pais nunca souberam de nada. Paguei muito. Na altura cerca de 60 contos. Foi há 14 anos.(...) Não estou arrependida do que fiz. Hoje faria o mesmo. Não aceito a hipocrisia da nossa sociedade, em que milhares de mulheres fazem aborto em péssimas condições. Por acaso não morri, porque tive logo assistência. Mas, neste momento, eu podia não estar aqui. A lei tem de ser alterada, no sentido de que quem quiser abortar o possa fazer em condições

in TAVARES, Manuela, Aborto e Contracepção em Portugal, Lx, Livros Horizonte, 2002, p.92

Odete Martins

Em Moçambique, o meu País, a minha mãe casou com um senhor de quem tiveram um filho. Mais tarde divorciaram-se. Infelizmente ela não conseguiu trazer o filho, que ficou à responsabilidade do pai. Mais tarde conheceu o meu pai. Tiveram sete filhos, eu sou a mais velha. Quando a minha mãe engravidou novamente, seria o nono filho, ela resolveu abortar. Acompanhei a minha mãe até à casa da enfermeira parteira onde se fez o aborto. Isto passou-se nos anos cinquenta! Felizmente tudo correu bem. Fui testemunha do aborto efectuado por uma cunhada minha. Quando vim para Portugal duas amigas minhas pediram-me para acompanhá-las a duas enfermeiras que lhes fizeram o aborto. Tudo correu bem. Depois dos abortos, mais tarde elas engravidaram novamente e resolveram ter filhos. Uma tem três filhos, outra cinco filhos!

Luísa Fernandes

Há 1 ano atrás tive de recorrer ao aborto. Depois de muito pensar e falar com o meu marido, chegamos a conclusão que era impossivel termos um bébé. Vontade não nos faltava, foi a decisão mais difícil que tomei. Não fiquei traumatizada, nem afectada psicologicamente. O que era facto é que se já nós os dois sozinhos temos dificuldade em gerir a nossa vida, quanto mais com uma criança!! Seria muito, mas muito difícil. Recorri ao Cytotec, por uma conhecida minha. Felizmente não tive que recorrer aos hospitais,embora os efeitos só tenham começado uma semana depois. Só espero que esta questão fique de uma vez por todas despenalizada, se fosse uma questão da saúde e liberdade masculina há muito estaria resolvida. Quem manda no meu corpo sou eu e mais ninguém!!!!!!

Maria Alice Lacá

Tenho 61 anos e sou católica. Como já aconteceu no último referendo, agora acontece novamente; depois da santa missa,nas igrejas, aparece-nos individuos com ares autoritários quase que nos obrigando a dar o nome e o bilhete de identidade como forma de não estarmos de acordo com a prática do aborto. CLARO QUE NÃO DEI MEU NOME! As idosas, coitadas, com receio de perder a Santa Comunhão, lá lhes satisfizeram ao pedido. Em conversa com algumas, elas, disseram-me que já tinham feito o aborto, que as mães e as avós também; elas pensam que toda a mulher é livre de abortar ou não. Há uns tempos atrás um padre da minha religião disse, na SIC, que conhecia padres colegas seus que levaram primas, sobrinhas e irmãs a abortar. O capelães abençoam as armas. A hierarquia da minha religião não aceitam mulheres padres. Tanta hipocrisia! Um padre católico, declarou na televisão, que a igreja católica é machista! Não se preocupam que tantas mulheres morram clandestinamente, sem assistência médica! Vamos pedir ao Nosso Pai do Céu afim de nos perdoar e abençoar pois Ele é compreensivo e entende a nossa fragilidade humana.

Assim seja.

Teresa Cruz

Por entre as lágrimas

A minha irmã tinha 19 anos. Estava em Lisboa a estudar e sabia tudo o que se deve saber para nunca ter de vir a fazer um aborto. Ainda assim a cara dela não mentia: "Aconteceu..."

De pouco serviram as minhas palavras de repreensão ou mesmo o meu avisado "E agora?" Só o meu abraço recebeu o seu enorme desalento.

Pois claro que estaria ao seu lado, não é para isso que servem as manas maiores?

A informação foi fácil de obter, bastou uma conversa com uma colega mais velha, conhecedora da terra onde me encontro. Um telefonema a medo palavras medidas perante o seu à-vontade a perguntar datas, falar de agenda e prescrever remédios a tomar antes.

O ele-dela soube, mas pouco conseguiu fazer, até o dinheiro prometido se perdeu na imensa vontade de esquecer o sucedido.

Farmácia perante o sorriso triste da funcionária mais habituada que eu àqueles pedido sussurrados e mais lágrimas. “Tens a certeza?” “Eu ajudo.” “Criança sou eu, maninha, e nem de mim sei tomar conta, vês?”.

Foi numa garagem de uma vivenda mesmo perto da minha casa. Vimos sair a mãe e filha que lá estavam antes. A senhora foi pôr o jantar ao lume antes de nos “atender”. A minha irmã gritou.

Tenho a certeza que lhe doeu mais a ela do que a mim, mas das palavras de agradecimento à senhora que o fez ficou a enorme certeza: isto não deveria ser assim. Não deveria ser pior do que já é. Não deveria ser escondido, escuro, CRIMINOSO.

É hora de impedir que isto se repita.

EU VOTO SIM, contra este aborto.

Sofia Cardoso

Tinha 16 anos na altura e "namorava" com um rapaz uns anos mais velho que eu. Sempre tivemos sexo seguro, com preservativo, na altura não estava tomar a pílula porque estava a tomar um antibiótico que anulava o efeito, portanto como devem calcular quando descobri que estava grávida tive uma enorme surpresa...

Enfim, mas o facto era inegável e tinha de fazer alguma coisa em relação a isso, e como quis fazer tudo conscientemente fui a um médico, falei com padre, pesquisei na net à procura de soluções para não fazer o aborto... como podem calcular, é muito bonito dizer que tudo se resolve, que podemos cuidar desta criança... mas guardemos os factos: tinha 16 anos, estava a estudar e sempre tive ambição de continuar, saberia que o meu pai nunca iria aceitar a situação logo não teria o seu apoio, que monetariamente era muito importante, mas fundamentalmente não tinha a menor capacidade para criar um filho com aquela idade e sabia que não iria ama-lo como merecia, senti mesmo que não deveria avançar com esta gravidez... optei então por esperar pela altura certa..

Fiz tudo numa clínica em Lisboa, clandestinamente claro está, mas correu tudo muito bem, posso dizer que fui atendida maravilhosamente...Falei com uma médica, fiz uns exames, e depois veio a altura da intervenção. Foi por aspiração, com anestesia geral portanto não senti nada. Acordei uma meia hora depois, um pouco zonza devido a anestesia, quando uma enfermeira veio falar comigo e me disse que tinha encontrado um pouco de preservativo dentro de mim. Ou seja, não foi um descuido (pelo menos meu, em relação ao meu namorado deveria ter confirmado se tudo tinha acabado bem), não foi um acto inconsciente, simplesmente aconteceu!!

Já passaram 5 anos e mesmo assim ainda não me apercebi bem do que aconteceu. Simplesmente tentei seguir a minha vida e tentar esquecer o sucedido, mas nunca consegui, ao ponto de não querer simplesmente falar sobre isso. Nunca me arrependi do que fiz e continuo a preparar a minha vida para ter muitos filhos saudáveis e felizes...não é nada fácil superar este acontecimento, principalmente quando é visto de uma forma criminosa.. o aborto nao vai deixar de acontecer, temos que criar meios de fazê-lo em segurança, independentemente das razões, ninguém o faz de forma descontraída. É verdade que não é solução, mas é sim um caminho.

Mónica Duarte

Apaixonei-me. Tomava a pílula desde que iniciei a minha actividade sexual, e sem saber como...aconteceu. A relação não era "oficial", por isso, quando tive a primeira falha fiz o teste e deu positivo... Pânico? Sim, acho que foi isso mesmo que senti. Estava no ultimo ano da faculdade e sem duvida ser mãe nessa altura (e não foi assim há tempo tempo, não estava nos meus planos de vida. Mas será que deveria sentir que era uma criminosa por causa disso? Depois de pensar o que poderia eu fazer recorri ao Cytotec. Não tinha condições financeiras para recorrer ao aborto clandestino, e arrisquei. Tive sorte. Tudo correu bem, pelo menos fisicamente. Se tive problemas de consciência? Certamente teria mais se tivesse um filho que não queria ter e de certo que não era o meu sonho ser mãe solteira. Sou católica, desejo casar e ter filhos, mas hoje tenho condições para tal. Doeu mais o sentimento de clandestinidade do que ter uma hemorragia. Deixemo-nos de hipocrisias e de, deliberadamente, provocar sofrimento às mulheres. Temos o direito de optar.

Teresa Salgado

Eu fiz um aborto... sim... e não tenho vergonha alguma de o ter feito! Tinha 18 anos, dependia financeiramente dos meus pais, tinha acabado de entrar para o ensino superior e, acima de tudo, nunca conseguiria dar estabilidade, atenção e amor a uma criança quando era eu própria que ainda necessitava de tudo isso! Não foi uma experiência agradável, longe disso... o meu ginecologista indicou-me a clínica onde eu me devia dirigir... lembro-me de ter óptimas condições e de ter sido consultada por uma médica (desconheço a especialidade) primeiro, vi a anestesista e nada mais... não vi o rosto de nenhum médico, não tive qualquer apoio psicológico e emocional... fiquei num quarto algumas horas enquanto recuperava da anestesia geral e quando acordei apenas me deram tempo para escrever a posologia dos medicamentos que me haviam dado num papel... fui alertada para qualquer complicação que surgisse era ali que me deveria dirigir! Tive sorte, tudo correu bem, tive o apoio dos meus pais... hoje tenho 28 anos e não me arrependo da decisão que tomei, mas lamento profundamente que outras mulheres não tenham tido as condições que eu tive e passem por situações humanamente deploráveis! Infelizmente, vivemos numa sociedade onde nada é condenável desde que tudo seja feito em segredo!!

Maria Cardoso

Eu fiz um aborto aos 29 anos e se tento explicar porque o fiz a única grande razão é: eu não queria ter filhos. Nunca tinha querido. Engravidei provavelmente na primeira vez que aconteceu com aquele homem. Estava loucamente apaixonada... há 15 dias... e pela 30ª vez na vida... tendo as 29 anteriores acabado invariavelmente mal. Portanto, eu nunca tinha desejado ter filhos. Estava informada, já exercia a minha profissão: médica. E mesmo assim aconteceu, como aconteceram ainda muitas vezes depois dessa vez: momentos de loucura, de paixão, de risco...

Não custou decidir. Ele apoiou-me (disse aliás que me apoiaria de qualquer forma) e deixou a decisão comigo, felizmente, pois eu não aceitaria de outra forma. Fui feliz também em ter dinheiro para o fazer, numa clínica portuguesa de confiança, com todo os cuidados médicos incuindo contactos para caso alguma coisa corresse mal. Ele foi comigo e ficou comigo todo o dia. Não senti nada além de um imenso alívio. Tinha 6 ou 7 semanas de gravidez.

Nunca mais pensei verdadeiramente nisso. Nunca me arrependi. Não deprimi.

Esse homem acabou por ser o meu último. Casamos 2 anos depois e num desejo de maternidade que desenvolvi depois, tivemos 2 filhos, desejados e planeados. Quisemos ter mais e "perdi", involuntariamente, mais duas gravidezes. Uma com 10 semanas: chorei 2 dias inteiros mas dei-lhe a volta e nunca mais sofri por ela. Outra com 5 semanas, no dia seguinte a fazer o teste que deu positivo. Dessa vez já nem chorei. As semanas de vida fazem diferença, sim. Com 5 semanas garanto-vos que é só como perder um teste positivo. Com dez semanas, é como se nos roubassem um brinquedo. Não é como perder um filho, eu já vi a dor atroz de perder um filho, e não é nada disso, são lágrimas de uma outra família.

Marta Dias

Sou mãe de 2 filhos e já fiz um aborto. Tinha 20 anos, estava a estudar e achava que naquela altura da minha vida não tinha capacidade (nem financeira, nem psicológica) para tomar conta de uma criança. Fiz um aborto. Não vou estar aqui a descrever o local onde o fiz nem a pessoa que mo fez. Acreditem que ponderei muito bem aquilo que ia fazer. E tive dúvidas, claro. Depois de o fazer senti-me um pouco mal, mas, mais do que isso, senti-me aliviada. Aliviada por ter tirado de dentro de mim um feto (sim, eu sei, um dia iria ser uma criança) que nunca desejei. Devo dizer que o pai da criança, quando o informei que estava grávida, apenas disse "Faz o que quiseres. Não quero saber.". Entretanto acabei os estudos, arranjei um emprego, apaixonei-me e casei-me. E tive dois filhos de uma vez (sim, gémeos). Desta vez não abortei. Tive os meus filhos, agora já dois homens, e não me arrependi. E isto porque foram duas crianças que eu desejei, que eu quis, que eu já estava preparada para ter. Também não me arrependo do aborto que fiz. E quando contei aos meus filhos, eles entenderam e não me julgaram. É que se eu não o tivesse feito, a minha vida tinha sido muito diferente e eles muito provavelmente não teriam nascido.

Eu própria sou assistente social e vejo todos os dias jovens de 14, 13 ou mesmo 12 anos que se vêem de repente confrontadas com gravidezes que não pediram; elas próprias crianças que ainda há bem pouco tempo brincavam com bonecas. Vejo mulheres com 8 filhos e o seu desespero quando se vêem confrontadas com mais um. Vejo muitas realidades, imensas, demais. Concordo que se deve dar mais apoios às mulheres que escolhem ter os seus filhos; concordo que se deve facilitar o processo de adopção no nosso país; concordo que deve haver mais informação. Mas também me parece que não se deve julgar nem penalizar aquelas que escolhem abortar. E para os partidários do não que afirmam que estas mulheres procuram a solução mais fácil: se pensam que um aborto é uma decisão fácil de ser tomada, estão redondamente enganados.

Parece-vos que uma criança não desejada tem uma vida digna?

Alexandra Silva

Eu fiz um Aborto Clandestino e posso-vos garantir que fiz nas mais miseráveis condições humanas, sem anestesias, sem as condições de
higiene recomendáveis. Graças a Deus que estou viva e isso posso agradecer a alguém que não me conhecia de lado nenhum e me ajudou sem me incriminar ou julgar. Mas, não foi quem me fez o aborto. Essa, assim que viu as coisas mal paradas, "fugiu com o rabo à seringa".

Na altura em que fiz o aborto era mais jovem, tinha cerca de 23 anos. Não tinha trabalho fixo, nem salário, os meus pais viviam de reformas mí­seras. Apesar de ser jovem, sabia que a ajuda que poderia vir a ter era quase nenhuma, e não queria colocar no mundo mais uma criança sem ter condições para criá-la.

Não estou arrependida, apesar de me ter afectado muito. Foi o desgaste, a humilhação de me deslocar a uma "cave escura", deitar-me numa cama e colocar as pernas uma em cada cadeira... e, quando correu mal, o receio de ser discriminada e julgada e tudo isto em silêncio ... são estas as condições que mulheres que fazem abortos na maioria das vezes encontram e, isto sim, é um crime. Com a desgraça de uns, muitos enriquessem. São estas situações que todos devemos combater e lutar para que não aconteçam.

Actualmente, a minha vida financeira alterou-se, estou melhor financeiramente e tenho dois filhos que adoro e faria qualquer
coisa por eles. Tenho 35 anos e fiz o aborto aos 23 anos. Considero que não matei ninguém, pois mataria sim se colocasse no mundo um ser que não iria ter condições para ter uma vida digna.

Carmen Dias

Fiz um aborto em 1997. Estava grávida de 7 semanas e fi-lo obviamente na clandestinidade, em Lisboa, em boas condições técnicas e de higiene.

Embora tenha sido por aspiração, não foi doloroso, pois deram-me uma ligeira anestesia e depois um conjunto de medicamentos para tomar durante duas semanas. A pessoa que o fez devia ser uma profissional, dado o tratamento. Não a vi, não sei se era homem ou mulher.

Foi um momento assustador e de grande ansiedade. Nunca mais me esqueci que hoje teria um filho com nove anos, mas a minha vida seguiu em frente e sinto que foi a melhor decisão a tomar na altura, dadas as circunstâncias. Fui uma privilegiada pois pude pagar os 100 contos e, assim, pude fazê-lo nas melhores condições. Depois disso já tive um aborto espontâneo e dois filhos lindos.

Para além da minha dor (muito minha) nunca mais me esquecerei que, passado um mês, fui a uma consulta de ginecologia e, naturalmente, disse ao médico, que me censurou com um olhar e com um um discurso inesquecí­vel (nunca mais lá voltei) e senti-me profundamente humilhada. Com que direito o fez? Senão podemos confiar no nosso médico então em quem confiamos. Mais tarde, aquando da primeira ecografia do meu primeiro filho, e após a pergunta: Quantas gravidezes teve? Respondi: duas. Tem dois filhos? Não. Um aborto espontâneo e um provocado. A partir daí­ e durante todo o exame, o médico nunca mais me dirigiu a palavra. Mais uma vez, com que direito? É claro que nunca mais mencionei o meu aborto, a não ser com a minha ginecologista-obstetra, que nunca me fez qualquer juí­zo de valor (caso contrário já não o era).

O meu caso é apenas mais um, mas por aquelas mulheres que não tiveram ou têm as minhas condições, pela minha filha e pelas gerações futuras, porque quero um pais evoluí­do, vou votar SIM.