Mitos do Não

O objectivo do referendo é determinar quando começa a vida humana

A pergunta colocada em referendo é exclusivamente legislativa e jurídica: trata-se de decidir se o aborto consentido até às 10 semanas deve, ou não, ser criminalizado.

Interromper uma gravidez é como tirar a vida a uma pessoa

Todos os sistemas jurídicos, em todas as épocas e em todas as culturas, sempre distinguiram entre o aborto e o homicídio. Não é um acaso que a penalização raramente tenha sido semelhante. A lei portuguesa também distingue claramente as duas situações, e castiga o aborto consentido com uma pena inferior à de qualquer homicídio.

Os próprios defensores do «não», ao nunca defenderem a mesma penalização para ambas as situações, reconhecem implicitamente que abortar não é matar uma pessoa.

É possível evitar o aborto clandestino se se investir na educação sexual e na contracepção

Esta objecção foi profusamente utilizada na campanha anterior ao referendo de 1998, que os apoiantes do «não» pensavam que perderiam. Posteriormente, houve tentativas de implementar a educação sexual nas escolas e de facilitar o acesso a contraceptivos, que foram travadas ou mesmo bloqueadas justamente por aqueles que tinham apoiado o «não».

Embora o aborto não seja recomendável como método anticoncepcional, a realização de milhares de abortos clandestinos em Portugal demonstra que estamos muito longe de atingir uma situação em que todas as gravidezes sejam plenamente desejadas.

Uma vitória do «sim» implicará que se realizem IVG´s em hospitais públicos, a custo zero

O referendo implicará unicamente a legalização da interrupção voluntária de gravidez «em estabelecimento legalmente autorizado» até às 10 semanas. A forma como serão realizadas as IVG´s dependerá da política concreta do governo em exercício em cada momento.

Deve acrescentar-se que alguns apoiantes do «sim» defendem que as IVG´s devem ser realizadas em hospitais públicos, outros que devem ser protocolizadas pelo Estado com clínicas privadas, e outros ainda que o Estado não as deve subsidiar de forma alguma.

A lei também deveria responsabilizar o homem

A lei actual não responsabiliza o homem pelo crime de aborto cometido por uma mulher que dele tenha engravidado. Para responsabilizá-lo, ter-se-ia que confiar na mulher para determinar quem é o pai, o que na prática levanta dificuldades inultrapassáveis. Legislar para que uma mulher que quisesse abortar pudesse ser impedida de o fazer pelo homem seria equivalente a conferir ao homem tutela sobre o corpo da mulher grávida.

Se a interrupção voluntária de gravidez for despenalizada até às 10 semanas, seguidamente ir-se-á despenalizar o aborto até às 16 semanas, depois até às 24 semanas, e seguidamente até aos nove meses

O prazo de 10 semanas é suficiente para uma mulher tomar uma decisão informada, consciente e atempada. Um alargamento do prazo para as 12 semanas ainda seria razoável, mas muitos apoiantes da despenalização até às 10 semanas não o seriam para prazos muito superiores.

Aproveitando a experiência alheia, verificamos que em países que despenalizaram o aborto, não existiu esse alargamento permanente dos prazos (no Reino Unido, aconteceu até o inverso, uma diminuição dos prazos legais).

O número de abortos irá aumentar

É impossível conhecer com precisão o número de abortos praticados actualmente em Portugal, mas, numa situação em que a interrupção voluntária de gravidez deixe de ser crime, será mais fácil conseguir que a mulher que abortou tenha posterior acompanhamento médico e será possível conhecer melhor a realidade nacional, podendo-se assim criar políticas que efectivamente reduzam o número de abortos.

Contra este mito, é importante também referir, que países onde o aborto é legal, como a Holanda, a Suiça, a Hungria e a Bélgica estão entre os países com taxas de aborto mais baixas a nível mundial, provando-se assim que não existe relação directa entre a legalização do aborto e o número de abortos praticados.

Os defensores do «sim» promovem uma «cultura de morte»

Os defensores do «sim» reconhecem a liberdade da mulher num período em que apenas ela pode garantir o bem-estar do embrião. Pode ser-se contra o aborto quanto confrontado com uma situação concreta, e defender que deixe de ser crime, justamente porque se acredita na autonomia do indivíduo e na sua liberdade de fazer escolhas que não faríamos. O voto «sim» promove uma cultura de liberdade e responsabilidade.

Caso o aborto seja despenalizado até às 10 semanas, então os patrões poderão obrigar as empregadas a abortarem

Os patrões não podem obrigar as mulheres a fazerem o quer que seja, caso o aborto seja legalizado, pois a decisão de abortar ou não depende exclusivamente da mulher e não será possível colocar-se num contrato de trabalho nada que obrigue uma mulher a abortar.

Possivelmente os defensores do Não pretendem com este mito insinuar que o patrão poderá não renovar o contrato a uma mulher que engravide se ela não fizer um aborto. No entanto, como é do conhecimento geral, este tipo de pressões já acontecem actualmente e não é o facto de o aborto ser ilegal que detém os patrões com poucos escrúpulos (para esses, a lei já é irrelevante actualmente).