O aborto em Portugal

Por ano, milhares de mulheres portuguesas continuam a pedir um número de telefone clandestino para fazerem um aborto.

Cada vez maior número de mulheres vão a Espanha para interromper uma gravidez. Também a utilização de medicamentos abortivos, feita sem qualquer acompanhamento médico, tem vindo a aumentar.

Portugal é o segundo país da União Europeia com maior taxa de maternidade na adolescência. Em 2000, cerca de 7500 jovens portuguesas com menos de 19 anos foram mães. Segundo o Relatório Ganhos de Saúde em Portugal, publicado em Março de 2002, a gravidez na adolescência até aos 16 anos, faixa etária em que o nascimento de um filho não planeado pode acarretar maiores dificuldades, é preocupante, especialmente junto de minorias sociais que abandonam a escola.

O aborto clandestino e inseguro continua a ser praticado, com graves riscos para a saúde das mulheres. Não sendo possível, em termos estatísticos, visualizar a realidade do aborto clandestino em Portugal, existe, no entanto, um estudo realizado por três médicos: Carlos Matias, Isabel Marinho Falcão e José Falcão, que aponta para os 40 mil abortos ilegais por ano.

Outras estimativas (OMS - Organização Mundial de Saúde) apontam para um número inferior, cerca de 20 mil abortos por ano, legais e ilegais (20% dos nados-vivos), sendo que a esmagadora maioria são abortos ilegais, dado os limites impostos pela actual lei e as dificuldades e aplicá-la. Em Portugal, no ano 2000, praticaram-se 574 abortos legais. O último Inquérito Nacional de Fertilidade, de 1997, referia que 7% de todas as mulheres portuguesas em idade fértil já tinham abortado - umas 180 mil.

Um número crescente de mulheres vão abortar a Espanha. Em contacto telefónico com apenas 19 das 60 clínicas privadas que praticam a interrupção voluntária da gravidez, contabilizaram-se 3200 mulheres portuguesas que anualmente recorrerm a essas clínicas. Desde 1999 que triplicou o número de portuguesas atendidas nesses serviços.

A utilização de fármacos como o Cytotec, sem qualquer acompanhamento médico, torna-se uma realidade crescente em muitos bairros sociais, onde um comprimido, no "mercado negro", pode atingir os 30 a 60 contos. Dado que o recurso a uma parteira fica mais caro (80 a 100 contos), existe uma tendência para uma maior utilização deste tipo de medicamento, o que resulta em abortos mal acabados e entradas nas urgências dos hospitais por hemorragias não controladas.

Um estudo da Associação para o Planeamento da Família (APF) em oito bairros sociais das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto revelou que 30% das mulheres desses bairros já tinham abortado. A grande maioria apenas tinha feito um aborto, mas 18% tinha feito dois e 12% três ou mais abortos. Uma em cada cinco mulheres que tinham abortado referiram que tiveram complicações posteriores.

Em junho de 2002, foi apresentada, na Assembleia da República, pela deputada Helena Roseta uma proposta de Estudo sobre a Situação do Aborto em Portugal, que desceu a comissão especializada para posterior concretização.

in TAVARES, Manuela, Aborto e Contracepção em Portugal, Lx, Livros Horizonte, 2002, pp. 56, 57, e notas na p. 141